Na sexta-feira (20), a doutora em geociências Renata Libonati, coordenadora do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, divulgou detalhes de monitoramento dos fogos e incêndios florestais. “De todos os incêndios que acontecem no Brasil, cerca de 1% é originado por raio. Todos os outros 99% são de ação humana”, afirma.
A pesquisadora é responsável pelo sistema de Alarmes, um monitoramento diário diário realizado através de satélites que captam a emissão de alertas sobre presença de fogo na vegetação. Considerando a situação e que existe uma proibição vigente, ela afirma que “todos esses incêndios, mesmo que não tenham sido intencionais, são de alguma forma criminosos”.
Além disso, existem 85 inquéritos instaurados para investigar cenários de incêndios florestais sem precedentes no Brasil, o governo aponta que as apurações demonstram indícios de crime ambiental. De acordo com o delegado da Polícia Federal à frente dos processos, Humberto Freire de Barros, são diferentes as hipóteses que podem ter motivado pessoas de diferentes partes do país a dar início ao fogo que consome riquezas, saúde e capacidade do ser humano existir no seu lugar.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, vê também um cenário de resistência à retomada de uma política pública ambiental.
“Nós conseguimos retomar a criação de unidades de conservação, demarcação de terra indígena, combate ao garimpo, fazer um esforço enorme para reduzir desmatamento no ano passado em 50%, esse ano já reduzimos 45% e estamos agora diante de uma situação, é uma combinação de um evento climático extremo que está assolando não só o Brasil, mas o planeta, e criminosos ateando fogo no país.”
Fogo utilizado na grilagem
Segundo Mauricio Torres, pesquisador do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (Ineaf) da Universidade Federal do Pará (UFPA), que estuda conflitos territoriais na região amazônica, historicamente, o fogo é parte de um processo mais amplo de apropriação de terras públicas não destinadas. Embora o uso do fogo tenha muitas outras funções no campo, como o controle de pragas em pastagens ou a eliminação de resíduos sólidos, ele também é utilizado para concluir o processo de desmatamento.
“Uma floresta recém-derrubada cria um volume imenso de galhos e troncos. Se não se colocar fogo, não é possível fazer nada, nem mesmo entrar na área. Não se consegue formar pastagem, nem realizar qualquer outra atividade. Então, o que eles fazem? Esperam que tudo seque, tocam fogo e o solo fica exposto”.
Esses desmatamentos costumam ter o objetivo de grilagem, visando à apropriação de terras públicas ainda sem destinação, como terras indígenas ou unidades de conservação, explica Torres. Ele aponta que essa apropriação de terras ocorre dentro de uma lógica que considera as sucessivas anistias concedidas aos invasores, como as estabelecidas pelas Leis 11.962/2009 e 13.465/2017. A primeira anistiou invasões até 2004, enquanto a segunda estendeu o benefício até 2008, além de estabelecer outros critérios, como o limite de área e o tipo de ocupação.
No contexto da grilagem, o desmatamento desempenha um papel central, afirma Torres. “Segundo os atuais programas de ‘regularização fundiária’, um dos melhores documentos para comprovar o tempo de ocupação é um auto de infração ambiental por desmatamento. Esse documento oficial prova que o invasor estava lá na data da infração. Se ele não teve a ‘sorte’ de ser autuado, precisa então apresentar uma imagem de satélite mostrando o desmatamento realizado até 2008”, explica.
Imagens de satélite, analisadas por Torres, mostram que o desmatamento se espalha, ao longo de mais de 20 anos, principalmente nas áreas públicas ainda não destinadas. Por isso, é fundamental adotar medidas de enfrentamento aos incêndios florestais que vão além do controle do fogo. “Não basta ter fiscalização ambiental. É preciso uma ação fundiária. Temos que parar de premiar o desmatamento com a titulação da terra. É necessário combater a grilagem”, conclui o pesquisador.
Crimes Ambientais
Segundo o delegado da Polícia Federal, a ação humana no uso do fogo em um período em que o manejo está proibido já configura indícios de um crime, mas é necessário analisar cada caso individualmente.
De acordo com o delegado Barros, o crime pode ser culposo — quando a pessoa não tem a intenção de causar o incêndio — ou doloso, quando a ignição é feita de maneira intencional.
No caso de dolo, a grilagem é apenas um dos crimes correlacionados aos crimes ambientais investigados, mas há outros envolvidos, como a formação de quadrilha ou crime organizado, lavagem de dinheiro e corrupção. “Por isso, nossas investigações muitas vezes levam mais tempo, para que possamos correlacionar esses outros crimes e dar a resposta que o poder público e a sociedade esperam desses criminosos”, afirmou o delegado.
Casos de retaliação
Barros aponta que o surgimento simultâneo de vários focos de incêndio em questão de minutos é um forte indício de uma ação coordenada, o que abre espaço para outras hipóteses investigativas. “Recentemente, no sul do Amazonas, fizemos uma operação de repressão à mineração ilegal no Rio Madeira, onde destruímos mais de 420 dragas. Isso causou uma insatisfação entre aqueles envolvidos no crime, e trabalhamos com a possibilidade de retaliação por parte desses criminosos ambientais, frente à retomada da agenda ambiental.”
Ações como a desintrusão de terras indígenas e a desocupação de unidades de conservação também reforçam essa hipótese. Em julho, por exemplo, um jornal local de Novo Progresso, no sudeste do Pará, publicou uma declaração de pecuaristas insatisfeitos com a desocupação da Floresta Nacional do Jamanxim, afirmando que poderiam incitar incêndios na unidade de conservação, caso fossem obrigados a retirar seus rebanhos da área pública federal.
Fogos nas Unidades de Conservação
Nos últimos meses, as queimadas em unidades de conservação foram além da Amazônia, afetando também parques e florestas nacionais de outros biomas, como o Cerrado, que foi o segundo mais atingido pelo fogo em casos de incêndios florestais.
Vera Arruda, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e coordenadora do MapBiomas Fogo, destaca que em agosto deste ano, as áreas de savana do Cerrado registraram um aumento de 221% na área queimada em comparação ao mesmo período do ano anterior.
“Esses eventos resultam na perda de biodiversidade, impactando espécies de plantas e animais, muitas vezes endêmicas. A destruição da vegetação nativa também compromete a capacidade do bioma de atuar como regulador do ciclo hidrológico, já que o Cerrado é o berço de importantes bacias hidrográficas. Além disso, os incêndios causam degradação do solo, aumentam as emissões de gases de efeito estufa e comprometem os serviços ecossistêmicos”, explica Vera.
Danos aos ecossistemas
De acordo com o delegado Barros, nos inquéritos policiais instaurados em decorrência dos incêndios florestais, os custos dos serviços ecossistêmicos também serão calculados para que os responsáveis pelos crimes ambientais sejam responsabilizados por indenizar essas perdas.
“Esses serviços ecossistêmicos, que a área atingida deixa de prestar, são monetizáveis, ou seja, podem ser aferidos financeiramente. Isso tem sido incluído, desde julho do ano passado, quando houve a atualização da normatização, nos nossos laudos periciais”, concluiu o delegado.
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